O “uso abusivo de álcool “ e suas consequências comportamentais e afetivas.

O uso abusivo de álcool pode vir acompanhado da dependência de álcool ou não. Geralmente envolve uma espécie de beber compulsivo:
começar a beber, não conseguir parar, e interromper apenas quando está completamente alcoolizado.
Esse padrão compulsivo do beber, que envolve perda de autocontrole, pode ser um componente decisivo para o desenvolvimento da dependência alcoólica.


O fato é que essa forma de comportamento produz consequências nefastas para o próprio indivíduo que está bebendo, para as pessoas mais próximas afetivamente, para as relações sociais e para o desempenho profissional.


Primeiramente, o uso abusivo de álcool produz sintomas físicos aversivos imediatos.

A desidratação causada pelo uso abusivo de álcool é notória: mau estar diverso: gastrointestinal, dor de cabeça, náusea etc. No entanto, os sintomas psicológicos são mais diversos ainda.
A perda da memória imediata é significativa: a pessoa esquece situações e eventos específicos e ou relacionais vividos durante a ingestão excessiva de álcool.


O aumento da ansiedade pode ser reconhecido no sono, logo após a ingestão exagerada de bebida alcoólica: um sono inconstante, leve, e mais curto. E no dia seguinte, sentido em uma maior dificuldade de lidar com situações estressantes.


Aumento de “insegurança” e ou “medo” para fazer atividades que se faria normalmente em situações comuns da vida diária.


Sentimentos de culpa e ou tristeza persistentes podem ser vivenciados de forma leve ou profunda. Frases dessa ordem podem ser bem comuns para quem bebeu de forma abusiva: “o que será que eu fiz? … não me lembro: aí meu Deus”; “não acredito que eu fiz isso !”.


A perda do “comportamento de autocrítica”, é, sem dúvida, um efeito claro no comportamento de quem bebe compulsivamente: a pessoa passa a se comportar ou falar coisas que jamais faria em um contexto de sobriedade. Uma dificuldade em perceber o que pode magoar ou entristecer alguém, ou mesmo de entender a diferença entre o que é uma brincadeira e uma agressão em relação a alguém importante afetivamente.


Um aumento da ocorrência de engajamento em comportamentos de risco podem ocorrer em alta frequência: “correr com o carro”, “envolver-se em contextos de maior perigo, que envolvam agressões físicas ”, “gatilho para uso de drogas diversas”, “comportamento sexual descuidado”, são exemplos bastante frequentes.


Comportamentos de fuga e esquiva sobre o que ocorreu são frequentes. Primeiro uma espécie de negação: “você está exagerando, não foi tão grave assim”, depois uma tendência em jogar o problema para os outros: “quem bebeu muito foi o meu amigo”, ou tentar arrumar algum relato que amenize a “bebedeira”: “mas o meu vizinho bebeu mais do que eu”.


Por sua vez, o “comportamento agressivo” parece ser um dos aspectos decorrentes do uso abusivo de álcool que produz mais danos para o indivíduo: “gritar com as pessoas próximas”, “ofender”, “agredir fisicamente”, geralmente, produzem danos graves na vida afetiva e social da pessoa que bebe excessivamente.


O sentimento de impotência, tristeza e preocupação com a pessoa que está bebendo de forma compulsiva, passa a fazer parte da vida diária das pessoas afetivamente mais próximas.


Os comportamentos de fuga e esquiva, através das negações e tentativas de diminuir a importância dos efeitos do consumo excessivo de álcool, impedem a eficácia das intervenções familiares. Além disso, às relações com grupos que reforçam o beber excessivo, fortalecem a manutenção dos episódios do beber compulsivo.


Como os efeitos perniciosos do beber compulsivo ocorrem apenas de médio a longo prazo, geralmente tem baixa probabilidade de controlar esse comportamento: isso implica no fato de que a pessoa continue engajada nessa forma destrutiva de comportamento. Mesmo com as graves perdas em todos os níveis relacionais provocadas a longo prazo.


Uma forma de trabalho terapêutico se faz através da produção de estímulos discriminativos que aumente o enfoque nas consequências físicas, afetivas e sociais imediatas.
Tais intervenções podem exercer também a função de condições estabelecedoras que aumentam a aversividade do beber compulsivo imediato.


Intervenções terapêuticas que produzam relatos descritivos sobre o que a pessoa fez ou falou quando bebeu compulsivamente, com questionamentos sobre o que as pessoas próximas sentiram ou pensaram diante da ocorrência relatada, podem ser de extrema importância.


O trabalho terapêutico conjunto com pessoas afetivamente próximas podem ser muito importantes para a efetividade terapêutica. Para o obtenção de relatos mais acurados sobre as ocorrências do beber excessivo e para o aconselhamento sobre estratégias de atuação, no sentido de evitar os comportamentos de fuga e esquiva e fortalecer comportamentos incompatíveis com o beber compulsivo.


Desenvolver repertórios de comportamentos incompatíveis com o beber compulsivo podem aumentar a produção de outros reforçadores, e assim diminuírem a probabilidade de recaída do beber compulsivo.
Enfim, o beber compulsivo é um comportamento complexo, e deve ser sempre trabalhado de forma multidisciplinar.
Trata-se de um problema de saúde pública, que afeta todas as esferas da sociedade. Acredito que os profissionais da saúde mental devem se debruçar sobre o assunto para buscar alternativas mais efetivas para lidarmos com um problema de tal magnitude!

Wilton de Oliveira
ITECH-Campinas

Referências

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Costa, Juvenal S Dias da; Silveira, Mariângela F; Gazalle, Fernando K; Oliveira, Sandro S; Hallal, Pedro C; Menezes, Ana Maria B; Gigante, Denise P; Olinto, Maria T A; Macedo, Silvia
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Deborah S. Hasin, PhD; Bridget F. Grant, PhD, PhD
Author Affiliations Article Information
Arch Gen Psychiatry. 2004;61(9):891-896. doi:10.1001/archpsyc.61.9.891
ALARCON, S. Critérios para o Diagnóstico de Dependência Química. In: ALARCON, S., and JORGE, MAS., comps. Álcool e outras drogas: diálogos sobre um mal-estar contemporâneo [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2012, pp. 131-150. ISBN: 978-85-7541-539-9.


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