“Apaixonar-se saiu de moda?”

“Apaixonar-se saiu de moda?”

“Je t—aime d—amour!”: dizia o poeta francês Leo Ferré para demonstrar que estava apaixonado: “Eu te amo de amor!”. Uma frase forte e complexa. A palavra amor está no pedestal, se repete: o amor é o sujeito e o objeto. O amor está acima do eu. O amor passa a ser Senhor do eu.
Na paixão as sensações e os sentimentos invadem cada célula de nosso corpo, e apenas uma faz sentido: a pessoa amada.
Na paixão o outro está em seu ápice. E sua ausência é insuportável: “Não estejas longe de mim um só dia, porque como,
porque, não sei dizê-lo, é comprido o dia”, pede com ardor, Pablo Neruda, para que sua amada fique sempre próxima. Com a ausência completa, ou seja, com a morte da pessoa amada o mundo perde o sentido. O poeta W. H. Alden, descreveu essas impactantes palavras: “Ele era meu norte e meu sul, leste, oeste e tanto meus dias úteis quanto o meu fim-de-semana,meu meio-dia, meia-noite (…) Apaguem cada estrela, joguem o sol fora,
ponham de lado a lua — nada disso agrada,
tirem o mar daqui, mandem o bosque embora,
porque tudo só pode agora dar em nada”. A presença da pessoa amada produz sentido ao mundo, e sua ausência faz tudo se apagar.
Por outro lado, quando a paixão nasce, o oposta ocorre. Shakespeare, fala sobre isso nas palavras proferidas por Julieta: “Devolve o meu Romeu, e quando ele morrer, corte-o em pequenas estrelas. E ele deixará a face do céu tão bela que o mundo inteiro se apaixonará pela noite."
A paixão esteve sempre presente ao longo da história. No seio da idade média, temos um de seus exemplos sublimes no relacionamento vivido por Abelardo e Heloísa. Impedida de viver sua paixão, Heloísa descreveu seu sofrimento em uma de suas cartas para seu amado: “Eu mereço mil vezes mais compaixão do que tu, pois ainda tenho mil paixões contra as quais lutar. Eu preciso resistir àquele fogo que o amor instiga nos corações jovens”.
A pergunta que motivou a palestra: Por que mesmo cantada por séculos, raiz de uma infinidade de prosas e poesias e de infinitas relações vividas por humanos ao longo da história, a paixão vem se tornando cada vez mais escassa? Parece escorrer pelas mãos como um líquido viscoso nas relações afetivas contemporâneas, como descreveu, Z. Bauman? Ou esta ficando esquecida nas prateleiras do mercado afetivo atual como escreveu Lipovetsky?
O fato é que relatos como escutei há pouco tempo tem se tornado comum. Após um beijo na boca a jovem aconselha: “Não vá se emocionar muito!”. Entendi, “emocionar muito”, como: não vá gostar muito de mim, ou não vá se apaixonar!
Tornou-se perigoso sentir? Em uma sociedade em que a prova de amor maior passou a ser “entregar o celular para que a pessoa amada vasculhe o que quiser” (Lucero e Col. , 2014), nos dá uma dica: o controle e à segurança vem tomando o espaço das relações apaixonadas.
Será isso uma vantagem ou um empobrecimento cultural? Regras, segurança, controle, saciação de reforçadores diversos, assepsia, leveza; substituíram a liberdade, a criatividade, a incerteza, a privação e o sentir profundo e com intensidade?

Wilton de Oliveira
Mestre em Filosofia, Doutor em Psicologia e Sócio-Fundador do ITECH

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